Começando pelo meio, como mandam alguns manuais de escrita, este ano tirei três cartas na virada. E recomendo que façam o mesmo. Fui inspirado por
, mais especificamente pelo ensaio que abre o Ferozes Melancolias, seu livro mais recente. E claro que customizei, afinal de contas, estou no propósito de dessacralizar o que estiver a meu alcance. Quem me ajudou no ritual foi Marie Kondo e sua técnica fenomenal de simples de, ao abraçar qualquer coisa, perguntar a si próprio “isto me traz alegria?".As regras são simples: tirar três cartas. A primeira, o que me traz alegria, o que preciso manter para 2025. A segunda, o que não me traz alegria, o que preciso descartar, doar ou mandar para a reciclagem. A terceira é a minha subversão indo contra a própria Marie Kondo: o novo que precisa vir. Sei que o lance é ser minimalista e desapegar de tudo que puder, mas creio que este movimento é importante também para abrir espaço para o novo, para que tudo circule. E outro ponto crucial: isto é sobre autoconhecimento. Então todos os elementos são internos. Dessa forma, é também uma ferramenta para céticos, já que dispensa o lado divinatório das cartas e foca no simbólico, no inconsciente.
Fica aqui a dica para que faça também esta brincadeira (não era um ritual? Nem sei mais), com algumas observações:
Não precisa ter um baralho, pode sortear online ou por aplicativo. Ou manda mensagem para alguém que tenha um e peça pra pessoa tirar e fotografar três cartas e te enviar;
Não precisa entender bulhufas de tarô, não é uma previsão, é só uma brincadeira. Observe as imagens, entenda o que elas te dizem, elabore seus símbolos pessoais. Se quiser pesquisar sobre as cartas ou papear com amigos que entendem do assunto, se jogue! Tudo é permitido. Se quiser papear com amigos que não entendem do assunto, melhor ainda!
Não precisa ser com tarô. Pode sortear hexagramas do I Ching, runas de Futhark, baralhos cigano, astrológico, comum de jogar. Dixit. Uno. Sorteie três peças de xadrez. Três artigos aleatórios na Wikipedia. O importante é meditar por uns minutos sobre algo a se manter, algo a se descartar, algo a se esperar. Viva a livre associação de ideias!
Falando em ideia, esta surgiu bem no meu mau espírito de Ano Novo: não curto a data, sempre me bate uma bad abissal, emenda com o cansaço do fim do semestre, as fragilidades emocionais natalinas e o aniversário que se avizinha e a expectativa carnavalesca. Fazer balanços e planos é sempre uma tentação, uma roleta viciada em que a ansiedade é a banca. Aí pensei: por que não pinçar poucos elementos? E focar em processos internos, coisas sobre as quais posso ter ilusão de controle?
E como proponho algo prático, segue aqui meus resultados e caminhos.
Me traz alegria: três de paus
A pessoa de costas, observando o mar, o horizonte. Esta carta tem algo a ver com expansão, ambições. Planos. Um de meus maiores defeitos é me perder demais em planos, mas fazê-los é um de meus prazeres. Pensando friamente, talvez planejar menos deveria ser um melhor curso de ação. Só que vendo o horizonte pelos olhos do protagonista da carta, entendo melhor o que os planos significam para mim. Eles são desejos, e tentativas de realizá-los. Ver o mar e o que está além dele pode ter um viés negativo, nos remeter diretamente ao colonialismo expansionista. Porém aqui penso que nem toda expansão envolve invasão e pilhagem. Posso ver meus horizontes internos e desejar expandir minhas ideias, relacionamentos, grupos sociais. Conquistar o território mais difícil: eu mesmo.
Não me traz alegria: sete de ouros
Aqui o personagem se escora na enxada enquanto observa o fruto do seu trabalho. Enquanto espera a colheita. Esperar apenas pode ser muito pouco, pode não ser o melhor. Será que não tem mais nada a ser feito nessa fazenda? Sempre posso arar outra terra, colher outra lavoura, cuidar dos bichos, consertar uma cerca, ou até mesmo — pasmem — descansar. Que em 2025 eu desapegue dessa ansiedade por resultados, e me ocupe de outras coisas ou me desocupe ao invés de ficar focado em processos que já estão correndo e não dependem mais de minha agência.
O novo que vem: sete de paus
Aqui vejo algum tipo de combate de todos contra um. Uma resistência. Em geral tenho dificuldade de defender meu terreno, minhas ideias, minhas convicções. Creio que o novo seja isso? Não necessariamente ser mais assertivo (algo pra lá de doloroso para homens gays com a síndrome do bom garoto). Pode ser que apenas reforçar alguns nãos bem dados e ocupar meu espaço já seja um progresso. Acreditar mais em mim mesmo é a chave aqui.
Se brincar também, me manda mensagem, me diz nos comentários. E feliz ano novo!
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Aqui foram três obras escritas por mulheres:
Algo que dê alegria: Mulheres que Correm com os Lobos - ao conectar-se com nossa verdadeira natureza, criatividade e capacidade de transformação.
Algo a se deixar ir: A Mulher Desiludida, da Simone de Beauvoir - as ilusões e expectativas irreais sobre a vida, o amor e o papel da mulher na sociedade.
Algo que virá: O Conto da Aia - a resistência silenciosa e o desejo de dignidade e justiça
abraço, garoto
Menino, saiu uma leitura barra pesada aqui:
- Me traz alegria: Nove de Espadas
- Não me traz alegria: O Heremita
- O novo: Oito de Ouros
Adorei esta sugestão Marie Lindo. Obrigada pelo ritual e por se materializar fisicamente na minha frente este ano, Thi. Que seja um 2025 bem lindo pra você 🌈