Feliz aniversário, envelheço na cidade
E hoje a cidade envelhece em mim: parabéns Palmas!
É isso aí, aniversário de Palmas. A cidade que chamo de minha há 17 anos está fazendo 34! Ou seja, metade do tempo de vida dela foi comigo. E daí essa edição especial, publicada excepcionalmente no dia do Sol (claro que o plano era publicar no sábado mesmo, dia 20, dia oficial do aniversário, mas me enrolei com a playlist e passou da meia noite. Vai domingo mesmo, mas estou na energia de “o dia só muda quando eu durmo").
Foi num mês de maio que cheguei aqui, sozinho de tudo e com uma mala gigante em 2006. É uma cidade de imigrantes e também de muita gente daqui, sendo que o "daqui” tem múltiplos significados: daqui do Tocantins, daqui do antigo norte goiano, e agora, daqui de Palmas mesmo. Hoje há palmenses de pais palmenses. Quando eu cheguei, o palmense mais velho ainda não tinha a maioridade.
Uma coisa que sempre ouvia e ainda ouço quando digo que moro aqui — além de algum cara que se acha muito engraçado e realmente bate palmas — é o famigerado "nossa, Palmas… como é morar em Palmas?". Me pergunto o que exatamente a pessoa quer dizer com isso, né? Será que falam de Palmas mesmo ou do Norte? Problematizações à parte, eu brincava com uma amiga que ia começar a me apresentar falando que eu vinha de Marte pra gerar menos reações. Porque no frigir dos ovos cada lugar é único, mas todo lugar é parecido. Todo lugar é feito de gente e o inferno — e o paraíso — são os outros.
Uma coisa bem nossa é a cidade ter atraído (e ainda atrair) imigrantes de todo canto. Se tiver uma mesa com quatro amigos, dificilmente serão todos oriundos do mesmo estado. Se for fazer o censo do meu círculo mais próximo aqui tem gente de SP, RS, PR, TO, RJ, MG, … E olha que sou um recluso. Isso acaba causando umas coisas interessantes: a mistura de sotaques e cozinhas. Em cada papo se aprende um novo regionalismo e hoje eu falo uma mistura de coisas que nem sei de onde vieram. Além de ter passado a usar tu/ti num freestyle absurdo que nem é gaúcho, nem paraense nem pernambucano. Ou é tudo misturado.
E em termos de comida, aqui se come muito bem, bem até demais. Na feira de sexta, vulgo feira da 304, tem prato de todo canto: tapioca, tacacá, pamonha, churrasco de costela, empadão goiano, paçoca salgada, cuca, … Não é à toa que quem vem pra cá engorda.
Outra coisa nossa, mas não só nossa (um beijo pra Teresina e outro pra Cuiabá!) é o calor escaldante. Temos o sol na bandeira do estado, na bandeira da cidade e no céu torrando a gente o ano todo. Dizem que o sol nasceu pra todos, aqui nasce um pra cada um. Não tem jeito: é quente real oficial e raramente esfria à noite. Não é raro pessoas se mudarem da cidade com menos de dois anos depois de chegar por não suportarem o calor. Na estação seca, no meio do ano, costuma ser mais quente e os rios do estado baixam, expondo muitas praias fluviais. Por isso, chamamos o inverno (astronômico) de verão. E chamamos a represa (do rio Tocantins, formando o reservatório da usina de Lajeado) que fica a Oeste da cidade de lago. No Leste, temos a serra. Aqui ninguém precisa de bússola! Mas acho que dentro de cidade ninguém precisa, né?
A cidade é dividida em quadras, o que gera um estranhamento nos endereços, mas faz com que seja fácil se orientar. Mas não dentro das quadras: cada uma tem ruas com numeração e disposição diferentes. A ocupação dessas quadras é menos regular do que se esperaria de uma cidade planejada, e tem muita especulação com terrenos vazios em quadras centrais.
Com o tempo (ou o meu tempo aqui), algumas lojas de grandes redes chegaram, o shopping novo abriu e isso me fez entender bem os horrores descritos no livro Nós Somos a Cidade, de N. K. Jemisin. As cidades estão ficando todas iguais. O terror do livro me pegou tanto porque vejo este processo acontecer aqui nos seus primeiros estágios. Por isso é importante ir à feira da 304, que eu nunca mais fui desde o início da pandemia. Semana que vem eu vou, juro.
Uma vez num curso, um cara que estava aqui apenas há seis meses me chamou de pioneiro, eu ri, fiquei honrado e feliz mas expliquei que não sou. Pioneiro mesmo é o pessoal das primeiras levas. Que chegou na época do poeirão, de quando o lago ainda não tinha sido preenchido, de quando ainda tinha muitas quadras a serem abertas (abrir a quadra aqui é como chamamos o processo de urbanização de uma quadra).
Pioneiro não sou, mas depois de mim já chegaram mais de 50 mil pessoas aqui. Uma cidade pequena. É uma outra escala, porque essas 50 mil pessoas são hoje mais ou menos ⅙ da população da cidade. E tem a escala do tempo, que me bugou em uma corrente do instagram: fotografe a coisa mais velha da sua casa.
Eu… sou mais velho que minha casa, que todos os móveis dentro dela, que os postes e o asfalto da rua. Sou mais velho que a pedra fundamental. Sou mais velho que tudo que vejo. De repente todas as narrativas de vampiros fizeram um pouco mais de sentido. E para me salvar de ter que enviar uma selfie na corrente, eu tinha dois dicionários, um de latim que era da minha mãe e um de alemão, presente de uma velha amiga.
Bom, esse é um apanhado de causos, fatos e curiosidades desta cidade que me acolheu do jeito dela e que amo tanto. Cidade de forasteiros onde sou mais um forasteiro que chegou sem conhecer ninguém, nem a si mesmo, e que construiu sua rede de apoio, sua pequena comunidade de amigos-irmãos. Dessa cidade que já passou metade da vida dela comigo, e eu entre um terço e metade da minha vida nela. Ficou faltando falar de tanta coisa, dos girassóis… Isso é papo pra outra hora.
Espero que tenha matado um pouco da curiosidade de vocês, mas qualquer coisa, perguntem. Só não batam palmas.
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Drops
Romantífica (vulgo meu livro mais recente) está no mundo! No livro trago contos que exploram a interface entre ficção científica, romance e relacionamentos e tem contos que se passam em Palmas e no interior do Tocantins (explico um pouco aqui). Quer comprar o seu exemplar? Basta fazer o pix e preencher este formulário que mando um pra você! Ou se preferir, pode comprar no site da editora.
Refinando os pensamentos do futuro da newsletter, acho que em junho já vem novidade.
Seguindo a tradição, mais uma playlist pomodórica com mais ou menos 25 minutos. Dessa vez, músicas daqui ou que pra mim tem algo a ver com a cidade e minha experiência vivendo aqui. Espero que curtam!
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
É simplesmente INCRÍVEL ler algo fora do eixo Rio- SP ♡♡♡
Aí que vontade de conhecer o estado mais jovem do país. Amei o texto, 💞