Um dia desses eu tava de papo com a Ana Rüsche da
sobre sinapses — sim, papo de escritor vai pra todo lado —, mais especificamente sobre usar a expressão aumentar a velocidade de sinapses. Claro que bicho curioso que sou, fui lá ver (ou lembrar) o que era a tal da sinapse. E acabei encontrando um pouco de mim, ou da escrita ali.No Floresta é o nome do mundo, de Ursula Le Guin, a língua dos athsheanos tem uma peculiaridade: toda palavra tem dois significados. Uma coisa que ficou forte pra mim do livro foi que a palavra para tradutor é mesma para deus, mas isso é papo pra outra hora. E agora fiquei pensando se a palavra para escritor não poderia ser a mesma para sinapse.
A sinapse (a sinapse química no caso), pelo que entendi, é um lugar mas também de certa forma um acontecimento. Ali na comunicação entre os neurônios não há o contato direto entre as células, mas sim uma região do axônio (uma prolongação da célula de onde sai o impulso nervoso) chamada de membrana pré-sináptica. Essa membrana, após receber o sinal de sua célula, libera neurotransmissores que atravessam a fenda sináptica e entram em contato com a membrana da outra célula, numa região denominada de membrana pós-sináptica. Este é o jeito mais simples que consegui entender e colocar aqui, e achei muito bem explicado neste vídeo do youtube de menos de 3 minutos.
Tá, mas e daí?
Daí que fiquei viajando em algumas coisas. Primeiro que realmente falar (na ficção) de velocidade de sinapse, apesar de ela existir, não faz realmente tanto sentido. Talvez falar de um maior número de sinapses, sinapses mais eficientes ou sinapses aprimoradas seria melhor.
E segundo que fiquei levemente obcecado com a ideia da fenda sináptica, o espaço vazio, o intervalo que permite que as coisas aconteçam. Um intervalo — no espaço — que permite que existam intervalos nos estímulos e evita o risco do estímulo constante. É uma ligação feita de nada. E como escritor é assim que me sinto às vezes.
Em uma antiga edição da Mercúrio em Peixes eu imaginei as histórias como algo trazido de um espaço multidimensional para o nosso por meio da percepção limitada de quem escreve. E agora vejo isso tudo como o conteúdo da membrana pré-sináptica, oculto em seus neurotransmissores e seus impulsos anteriores. Na sua liberação, cabe a mim existir entre o emissor e o receptor não como obstáculo, mas para garantir que a mensagem chegue até os leitores, membrana pós-sináptica. Para usar o verbo da moda, é preciso ser atravessado pela história para que ela chegue ao seu destino.
Nos tempos em que há a pressão para que escritores sejam acima de tudo personalidades nas redes, essa imagem de um autor quase invisível, uma ponte de vazio, me agrada muito. E vai até de encontro ao significado do nome da newsletter, esta incongruência, este eterno estar entre os lugares. Vai ver é por isso a presença pela inexistência tenha seu charme para mim e acabou culminando nessa edição meio sem pé nem cabeça.
Mas com axônio e dendritos1.
E fenda sináptica.
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
PS.:
Romantífica (vulgo meu livro mais recente) está no mundo! No livro trago contos que exploram a interface entre ficção científica, romance e relacionamentos (explico um pouco aqui). Quer comprar o seu exemplar? Basta fazer o pix e preencher este formulário que mando um pra você! Ou se preferir, pode comprar no site da editora.
Nos dias 14, 15 e 16 de abril agora, estarei participando da Flights of Foundry, uma grande convenção online que reúne criadores/criativos na área de especulativas. O evento é gratuito e em inglês, e neste ano participarei de cinco mesas, sendo uma delas como moderador. Por ser uma convenção mundial, a programação é 24 horas e super recomendo deem uma olhada na programação não apenas pelas minhas mesas, mas por uma grande diversidade de temas e participantes. É bem provável que algo chame sua atenção!
Outro dia fiz um fio bobo no agonizante site twitter brincando com o hit Retrato Imaginário do SNZ e mostrando porque ele é um roteiro de ficção científica. Pensando em fazer outras brincadeiras assim e talvez trazer pra cá?
Seguindo a tradição, mais uma playlist pomodórica com mais ou menos 25 minutos. Dessa vez, seduzido pelo hit de SNZ, fugi do tema da news e peguei umas músicas mais ou menos da mesma época (acho que pega uns 10 anos) ou dos mesmos programas. Espero que curtam!
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
Pequenas árvores, talvez como as do planeta Athshe?
Apenas vc, um divo com axonio e dendritos, poderia nos dar o deleite de uma thread do snz. 💞
Sempre me fascina conhecer a mecânica do pensamento.
Essas reflexões sinápticas chegam em um momento em que, ao lado de um querido amigo, termino de escrever um livro sobre vazios, e a fenda sináptica certamente terá que entrar nele.
Muito obrigada por trazer esse conhecimento!