Dia desses fiz seis anos sem você. Engraçado isso, comemorar a ausência. Parece aniversário da data de morte de alguém, mas aqui ninguém morreu, foi só uma separação. Não sei se "só", porque não foi fácil.
Mesmo sem ser fácil, eu tomei a iniciativa. Como sempre. Estar com você era bom, serei hipócrita se disser que não: foram anos juntos. Mas você era um vício, me fazia mal mesmo quando eu teimava em não perceber. Usando a expresão da moda: ignorei as red flags. Abusivo? Não sei, ainda acho esta palavra meio pesada, um peso que diminui a cada uso leviano. Mas eu gostava de você e estar contigo me fazia mal. Tóxico com certeza.
Estar com você era maravilhoso, seu toque em meus lábios… sinto saudades. Estar sem você é mais que maravilhoso. Ter uma vida preenchida com sua ausência, tal qual antes de te conhecer, mas diferente por eu saber que não está mais aqui.
Não estar em algum lugar era algo que você fazia comigo também. Independente de onde eu estivesse, eu saía pra estar ao seu lado nem que fosse por alguns minutos, melhor se fosse por meia hora ou mais. Cinema, bares, boates, reuniões de família, aulas, compromissos profissionais… eu sempre dava um jeito de fugir um pouco. Não vou mentir que nunca tirei vantagem disso, quem me conhecia sabia da sua importância. "Vou ali com ele rapidinho" era um código que eu usava pra escapar de tudo que era situação. Especialmente se ao voltar eu pudesse me sentar em outro lugar da mesa, estar com outro grupo.
Quando estávamos só nós dois era mágico. Era um tempo fora do tempo em que estávamos juntos, envelopados em nosso mundinho. Muitas ideias e soluções brilhantes surgiam. Muitas ansiedades também. Em você eu buscava paz, mas recebia mais combustível pra minha mente acelerada. Na caldeira de meu pensamento, você era mais carvão. E eu ia mais rápido, só não sabia pra onde.
É injusto eu falar que apenas eu o procurava sendo que você estava sempre disponível pra mim. Em momentos complicados foi minha companhia. Pacientemente me esperava nas noites de estudo ou trabalho, momentos insones, festas ruins. Não ligava se eu bebesse além da conta, acho que até gostava. Você e a bebida se davam bem. Até demais pro meu gosto.
Claro que nem todo mundo te aceitava. Tóxico, lembra? Mas ninguém me dava um ultimato ou expressava este desgosto abertamente. Isso não seria educado. Sendo assim, jamais saberei quantas interações sociais foram sabotadas por você sem a minha ciência. Mas paciência. A falta de ultimatos eu acho que em parte era por educação, mas em parte por medo que eu te escolhesse. E em relação a algumas pessoas, você teria sido o escolhido sem pensar duas vezes.
Terminamos uma vez. Eu terminei. Sempre era minha a iniciativa. Foi meio por acaso, uma redução involuntária do contato que se prolongou no tempo. Viajei pouco depois, tivemos um revival curto e não passou disso. Logo era como se você não existisse, mas jamais seria como se você nunca tivesse existido.
Voltamos. Iniciativa minha. E também por acaso, outro cenário, outra festa. Eu vestia uma fantasia. Você combinava com meu personagem e eu pensei… porque não? Na segunda-feira seguinte já estávamos juntos como se não tivéssemos passado um dia sequer afastados. Este era o seu poder sobre mim.
Duramos alguns anos, até mais ou menos seis anos atrás. Mas eu estava cansado, sabia que era uma relação de mentiras, em que me fazia mal enquanto eu me sentia bem. Isso já é ruim pelo tempo que for, mas insustentável no longo prazo. Eu queria uma vida mais tranquila, sabe? E você não cabia nela. Enrolei o mais que pude, mas não deu. Tive que romper contigo novamente.
Sinto saudades. Claro que sinto saudades. Até um dente podre deixa um vazio depois da extração. Mas voltar? Não. Nem faz sentido depois de tudo que passamos em tantos anos de idas e vindas.
A cada recaída é mais difícil largar, e tenho medo de não conseguir parar de fumar mais uma vez.
De quem sente sua falta mas não te quer mais,
Thiago
Este texto celebrando um marco no tempo foi inspirado pelo meu aniversário de ex-fumante e pelo tema "O Texto & o Tempo", nome de um evento para quem lê e escreve newsletters que acontecerá online nos dias 5 e 6 de novembro. Ocorrerão mesas e oficinas com um grande time de autores de newsletters, e as inscrições custam 48 reais e podem ser feitas pelo sympla. E lembrando que haverá bolsas para pessoas com deficiência, pessoas de baixa renda e pessoas não-brancas e/ou trans.Fica o convite para que participem conosco!
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
PS.:
Domingão é segundo turno chegando. Ansiedade eleitoral no talo mas faz o L e bora de 13 confirma! Espero estar mais feliz na próxima edição!
Na minha edição sobre vinil e fatiar o tempo eu comentei sobre o método pomodoro, e vendo o comentário de Ana Rüsche eu pensei: porque não fazer playlists com a duração de uns 25 minutos? O plano é fazer pelo menos uma por edição da Mercúrio em Peixes, e hoje tem: Cigarro (ou cachimbo). Espero que curtam!
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. E leiam as obras da Plutão Livros! Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
Carta a um ex
domingo é dia de voltar com o ex. esse pode e não faz (tão) mal!
beijos e adorei o texto
Melhor leitura do mundo nesta manhã de domingo em que comemoro minhas 36 horas sem fumar... Valeu, querido