É isso: depois de anos desejando uma, comprei a tal vitrola. De maletinha. Marrom. Promoção pela internet, meio no impulso (ou seja, levei apenas 2 dias para decidir, o que é um tempo curto pras minhas compras online). Vou me mudar daqui uns dias, e queria muito ter este item de decoração na casa nova. E mais outros dois que se um dia eu comprar eu conto aqui.
Não tenho mais meus vinis, alguns foram para o lixo, outros viraram artesanato. Bibliocantos pouco funcionais que hoje já estão no lixo também, depois de serem substituídos por bibliocantos mesmo. Com medo de ter uma vitrola silenciosa, aproveitei o embalo para comprar uns discos pela internet, ainda sem saber que Palmas finalmente tem um sebo e que compraria alguns presencialmente.
Pra minha sorte, os vinis chegaram antes da vitrola, e logo que a estreei, veio a grande surpresa, ou lembrança. Após uns 25 minutos, o lado do disco acaba e sua reprodução é interrompida. E aí é silêncio ou ir até o aparelho para virar o disco, ou colocar outro. Uma lembrança que em tempos de streaming me incomodou, e se tem incômodo, tem questão, e se tem questão, tem gancho pra newsletter.
O streaming é a barra de rolagem infinita de áudio.
Eu acho louco em como o consumo de música deu a volta completa de rádio, um stream infinito, para o disco, a fita (lados contínuos de uns 30 minutos), CDs (faixas separadas e não há mais lados), arquivos em mp3 (faixas individualizadas, playlists personalizadas) para o stream novamente. Playlists que se autocompletam, reproduções automáticas e até a função… rádio, na qual escolho uma música e se cria uma playlist a partir dela.
Mas ouvir o vinil me fez quebrar essa ilusão. No stream, ao contrário da rádio, não há tempo. Assim como o Instagram, o Facebook, o Youtube, o TikTok e o Twitter com suas barras de rolagem infinitas, o Spotify rola sons infinitos, mas sem a marcação de tempo de uma rádio. O vinil me trouxe o tempo de volta. Ele está para o Spotify como o álbum de fotografias analógicas está para o Instagram.
Aí fiquei preso nisso, ao passo que os sites são como shopping centers em que não se percebe o mundo externo para que nossa percepção de tempo se perca, no disco essa percepção não apenas retorna, mas vem a intervalos mais ou menos regulares.
Quem conhece o método pomodoro, sabe onde quero chegar (com o texto, pois na vida real já cheguei). Para quem não conhece: é um método de gestão de tempo que consiste em se trabalhar/estudar durante 25 minutos sem interrupções, fazer uma pausa de 5 minutos e retornar para outro ciclo de 25 minutos, descansar 5, trabalhar 25, descansar 5 e trabalhar 25. Depois deste ciclo de 4 períodos de trabalho, um descanso longo de meia hora, e depois começa tudo de novo. Se quiser saber mais sobre isso, é só espiar o site oficial.
O inventor do método marcava esses intervalos com um timer de cozinha em formato de tomate, pomodoro em italiano. Eu sou um entusiasta a ponto de ter um desses timers, que não uso muito pois o tique-taque me irrita. Esse pomo de ouro é realmente o pomo da discórdia para mim. Na real, nunca gostei muito de relógio e raramente usei. Com a vida eu desenvolvi meios alternativos de medir o tempo, seja o tempo de fumar um cigarro, cantar uma música conhecida ou estimar o tempo de viagem pelos pontos de referência. E a ver as horas discretamente no relógio dos outros.
E fora o pomodoro, se usa aplicativos, sites, timer do celular, vale tudo.
Até um disco de vinil.
E o melhor: no intervalinho de 5 minutos, ao invés de ir direto para alguma rede social com rolagem infinita onde esses 5 minutos viram infinitos minutos de ócio, eu me levanto e literalmente viro o disco. Agora ao escrever, vejo que é uma grande besteira que estou achando genial, mas após dois anos e meio de trabalho remoto e com horários totalmente atrapalhados de sono e alimentação, a minha vida tinha se tornado uma rolagem infinita em que os meses e anos viraram borrões ao invés de fatias definidas.
Ter esta percepção hoje é mais um passo para trabalhar a minha relação com o tempo e com o consumo de conteúdo. Ou melhor: com ouvir música.
E você, quais são seus pomodoros? Como fatia ou mede seu tempo quando não se entrega ao eterno agora dos shopping centers mentais dos aplicativos?
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Tem temporada nova do Incêndio na Escrivaninha no ar! No episódio mais recente, eu, Ana Rüsche e Vanessa Guedes batemos um papo sobre medo e literatura!
Entre os dias 01 e 05 de setembro, estarei participando da Worldcon, a maior convenção de ficção científica do mundo! Estarei presente em seis mesas englobando culinária, biologia, tarô, ciência, um painel de improvisos e a literatura especulativa latinoamericana. Neste link estão descritas as mesas das quais participarei. O evento será híbrido e estou muito feliz de ser um dos brasileiros participando. Como é um evento pago e sei que os tempos andam bicudos, prometo contar como foi e quem sabe abordar algum dos temas das mesas aqui…
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. E leiam as obras da Plutão Livros! Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
Fiquei curioso para saber quais discos são! Eu devo fazer uma listinha dos que eu quero para começar a percorrer sebos à procura deles quando estiver em viagem.
"O streaming é a barra de rolagem infinita de áudio."
AAAAAAA sim!!!!
tô choquita com a ideia do pomonil (pomoro+vinil) - eu escuto no domingo aqui em casa, que é um dia de lazer. Vou começar a dar play na vitrola em dia da semana e usar a técnica! excelentes reflexões e ideia incrível.
obrigada!!