Logo logo vou me mudar, e resolvi pintar algumas paredes coloridas na casa nova. Uma parede colorida por cômodo, para alegrar um pouco a vida. Isso me levou a algumas noites insones em sites de tintas para escolher as cores e ficar encantado com os nomes. Para a parede da sala, escolhi um tom de vermelho mais escuro e essa semana tenho pensado em outras coisas vermelhas que estão por aí e por aqui.
Sendo assim, resolvi fazer esta edição da Mercúrio algo meio curadoria e meio viagem, mesclando algumas indicações com pequenas reflexões enquanto listo treze obras com vermelho ou coisas vermelhas na vida a partir das quais batizei os treze tons na imagem acima. Bora lá?
1- Pitanga
Nada melhor que começar a lista com esta fruta nativa cujo nome significa exatamente vermelho em tupi antigo. É uma de minhas frutas favoritas, pela acidez que engana, bem pronunciada mesmo em frutos maduros ou quase ausente em outros. A pitanga é comum e rara ao mesmo tempo, fruta ausente nos mercados e raramente industrializada. Fruta comida direto do pé, dos galhos do vizinho que invandiam o quintal de uma casa na qual demos uma festa, ou das pintangueiras no quintal da casa onde o coral ensaiava.
Era gostoso chegar mais cedo no ensaio para comer pitangas (e mesmo assim chegar atrasado, comendo pitangas). Uma vez colhi uma sacola para levar para uma amiga baiana, saudosa do fruto. Outubro agora é época, procure pitangueiras próximas e se delicie por mim com o vemelho-ácido.
2- O violino vermelho
Filmaço. Especialmente para quem reclama que nos filmes o mundo todo (e outros mundos) parece falar inglês. Aqui se fala italiano na Itália, alemão na Áustria e mandarim na China. É um dos filmes que mais amo, e quanto mais o tempo passa, mais entendo por quê. É a história de um… violino. Num período de 400 anos. Algo que me impressionou foi como um objeto pode ser a força motriz de uma história, praticamente um personagem. Recomendo muito que assista e se envolva no vermelho-históra.
3- Chapeuzinho vermelho
Acho que é o conto de fadas mais recontado? Como aqui trabalhamos com fonte: não há fontes, vou fingir que sim. Sei que chapeuzinho já foi de todo jeito, e até a cor do chapéu já foi alterada. Nos estudos sobre contos de fada fala-se muito sobre o vermelho como o sangue, a perda da inocência, a menarca.
O vermelho também é o que torna chapeuzinho um alvo visível na floresta. O símbolo de proteção e cuidado da mãe atrai o apetite do lobo. Mas eu vou pela via mais simples, sobre o perigo de soluções fáceis e de se perder o objetivo e os bons conselhos de vista. Aprender com os erros do passado e os erros dos outros é importante. E aqui a dica é procurar alguma versão da Chapeuzinho Vermelho para ler ou assistir. Pontos de bônus se for para uma criança. E fica a lição de um vermelho-moral.
4- O vermelho e o negro
Minha memória não é das melhores, e muitas vezes quando leio um livro, retenho uns detalhes aleatórios e a vibe geral. Como li esse faz muito tempo, lembro vagamente dos acontecimentos, mas intensamente do protagonista, Julien Sorel. São centenas de páginas fritando dentro da cabeça dele, passando por um monte de coisas, muitas em torno da possibilidade de ascensão social e suas relações e ambições. É um livro imersivo a ponto de em alguns momentos me dar um mal estar. Talvez eu o tenha lido novo demais e seja tempo de uma releitura. Ou de conferir alguma adaptação (que acabei de pesquisar aqui e vi que há várias).
Uma coisa interessante é que não é muito nítido o motivo para o título, o que deu origem a algumas teorias. Desde o vermelho como sangue, ou uniforme militar ou paixões carnais em contraponto à batina negra, ou o vermelho e o negro como a tensão entre os planetas Marte e Saturno. Vale à pena conhecer esta história e adicionar o vermelho-clássico ao repertório. Lembrei aqui que li justo uma edição de capa dura, vermelha, daquela coleção antiga de clássicos da editora abril. Certeza que se for a um sebo, terá uma dessas por lá.
5- Marte
Não poderia faltar o planeta vermelho. O planeta com o qual aprendi a identificar planetas no céu. Eles, ao contrário das estrelas, não cintilam. E Marte, ao contrário dos outros planetas e da maior parte das estrelas, é vermelho.
Nessa época agora (caso esteja no futuro, estou falando de setembro de 2022) ele está visível mais ou menos desde meia noite até o amanhecer (considerando o fuso de Brasília). Te convido a baixar algum aplicativo de astronomia e caso seja seguro onde vive, buscar Marte no céu noturno, dar um oi para o nosso vizinho espacial e apreciar o vermelho-planeta. Se sua janela for virada para o leste, talvez nem precise sair de casa!
6- Aldebaran e Antares
Não uma, mas um par de estrelas vermelhas. Ainda na editoria de astronomia, estrelas fáceis de identificar. Aldebaran é um dos olhos do Touro, e Antares o coração do Escorpião (ok, nem artrópodes e nem escorpianos
têm coração, mas fica aqui a liberdade poética de coração como cerne). Elas são praticamente opostas no céu, indicando que provavelmte você só verá uma das duas num dado momento.Caso explore o céu noturno em busca de Marte, dê carona a Aldebaran (já que estão relativamente próximos no céu por agora). E observe o triângulo do qual Aldebaram faz parte: esta é a cabeça do Touro. Em outras épocas, outros tempos, veja num site ou aplicativo qual das duas estrelas está visível, pense por um momento que estamos todos sob o mesmo céu, e observe o vermelho-estelar.
7- Estrela vermelha
De volta à ficção, um livro que li no ano passado sobre uma viagem a Marte. Chamado aqui de estrela vermelha por muita liberdade poética. Li a edição da Boitempo e achei a leitura bem fluida e interessante como ficção científica não-estadunidense.
Foi aqui também que li pela primeira vez o termo marcianidade que passei a adorar para os habitantes de lá. Vale notar que no livro Marte é uma utopia socialista, o que pode nos dar ideias de outros mundos e modos de vida possíveis… Recomendo muito a leitura, e na última vez que verifiquei o livro estava disponível no Kindle Unlimited. Conheça esta sociedade e o vermelho-utopia.
8- Araracanga
Voando de volta ao Brasil, amo arara. Todas. Ficava encantado quando as via no zoológico quando criança ou em desenhos, e hoje moro numa cidade onde é comum ver um ou mais casais voando livres pela manhã ou ao entardecer.
Aqui em Palmas temos a arara-canindé, aquela de costas azuladas e peito amarelo. A araracanga é outra espécie, mais comum mais a oeste e ao norte de onde vivo. Ela tem a cabeça e peito vermelhos e asas que vem do amarelo, se salpicam de verde e terminam azuis. Eu acho esta combinação de cores um charme. Como cada canto tem suas aves, no próximo fim de semana vá a algum canto verde e tente observar as daí. Pode ser que não veja o vermelho-voo, mas pode se surpreender com a fauna local.
9- Hematita
Vivo em Palmas, mas sou natural de Belo Horizonte, nome que nos faz olhar para longe numa região em que as riquezas estão sob nossos pés. Hematita, pedra de sangue. Minério de ferro. De várias formas na natureza, algumas de brilho metálico, outras vermelhas, algumas compactas, outras esfarelentas. Mas todas têm algo em comum: ao serem riscadas contra um pedaço de cerâmica branca, deixam um traço castanho-avermelhado. Coisas que se aprende na aula de mineralogia e não se esquece jamais.
Minas, minas e sua busca por tesouros ocultos. E seus crimes cometidos a céu aberto. Não preciso listar aqui, basta ver as manchetes ou lembrar de Brumadinho. De Mariana. Da crueldade do período colonial. E nessa ironia em que a riqueza é a fraqueza, a Serra do Curral hoje corre perigo. A serra da qual se vê o belo horizonte. A serra que ocupa e emoldura o belo horizonte visto por toda a cidade. Pedra de sangue. Vermelho-sangue.
10- Moulin Rouge
Foi engraçado lembrar do musical pesquisando tons de vermelho. Sim, para mim Moulin Rouge é o musical, não o cabaré parisiense. Imagino que o cabaré também seja colorido, intenso, maximalista como o filme. É louco pensar que conheci o filme a partir da música Your Song, uma música que um cara fez pra se declarar para outro. É louco pensar que conheci a música na época em que comecei a entender que isto não só era possível, mas o meu caminho. E que ainda levaria tempo para aprender a lição da cítara mágica: “A maior coisa que você vai aprender é apenas amar, e ser amado também." Se curte musicais, assista Moulin Rouge e pinte duas horas com vermelho-paixão.
11- Pau-Brasil
Voltando ao reino vegetal, moramos num país com nome de planta que tem nome de… cor? Primeiro recurso a ser explorado pelos invasores portugueses, o pau-brasil era usado na extração de um corante vermelho (a brasilina) usado no tingimento de tecidos. Brasil, pois vermelho como brasa. E lembrando da pitanga, um dos nomes da árvore é ibirapitanga (ou ibirapiranga), do tupi ybyrá (pau, árvore, madeira) e piranga/pitanga (vermelho).
Hoje a espécie, antes abundante em nossa costa, é considerada em perigo, ou seja, corre grave risco de extinção. Sei nem o que comentar disso. O que fazer para salvar o pau-brasil? Ou o Brasil? Não sei que nome dar a este tom. Mas sei que precisamos cuidar do país, precisamos cuidar uns dos outros.
12- Barão Vermelho
Rock nacional em sua melhor época. Marcou demais minha infância, adolescência e sim, virei um daqueles coroas que só ouve música antiga. Mas melhor que falar de música, é ouvir. Deixo aqui a indicação de “Pro dia nascer feliz” na voz de Cazuza, que a entoou na primeira edição do Rock in Rio em 1985 no dia da eleição de Tancredo Neves. Foi uma eleição indireta, mas do primeiro presidente civil em mais de 20 anos, o início do fim da ditadura militar. Cazuza termina a música dizendo: "Que o dia nasça feliz para todo mundo amanhã. Em um Brasil novo, uma rapaziada esperta. Valeu!". E neste clima de vermelho-esperança, deixo aqui o link para o vídeo da apresentação.
13- Pôr-do-sol, nascer do sol
Voltando à editoria Palmas, é impossível deixar o pôr-do-sol e o nascer do sol de fora. Aqui vi os pôres-do-sol mais lindos da minha vida, e olha que sou nativo de uma cidade famosa por seu horizonte belo. Hoje moro voltado para o nascente, e assisti a incontáveis auroras também. Dias que espero que nasçam felizes como cantou Cazuza.
Aqui nem tem muito o que falar, deixo vocês com duas imagens, fotografias que tirei do meu vermelho-celeste no céu palmense. E veja o seu vermelho-celeste, aproveite que o sol se pôe e nasce em todo lugar (nem que seja apenas uma vez no ano, nos círculos polares, hehehe).
E você, quais são seus tons de vermelho? Como batizaria o vermelho do pau-brasil?
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. E leiam as obras da Plutão Livros! Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
Brincadeira, amo escorpianos e tenho vários amigos que são. Trato como se fossem pessoas de outros signos. Na real nem acredito tanto em astrologia. (por favor não se vinguem de mim)