"Acender uma vela é lançar uma sombra…", Ursula K. Le Guin, O Feiticeiro de Terramar.
Sempre fui fascinado com eclipses (e mil outras coisas relacionadas à natureza e ao universo) e um de meus sonhos é ver um eclipse total. Me lembro ainda criança de ouvir minha avó contar de um eclipse que aconteceu quando nova, no dia escurecendo e das galinhas se escondendo no galinheiro para tudo voltar ao normal em poucos minutos. Imagino que isso tenha sido em 1947.
Dia 14/10 agora (de 2023, olá pessoa do futuro!) vai rolar um eclipse solar. Bom, eclipse tem vários todo ano, mas nesse caso é especial porque será um eclipse anular e que vai poder ser observado em seu máximo aqui no Tocantins. Só pra relembrar, no eclipse anular a Lua está um pouco mais afastada da Terra e não cobre o Sol completamente, fazendo com que ele fique com a aparência de um anel. Sei que estou na pilha pra acompanhar este eclipse e aí pensei pensamentos sobre tudo isso. Além disso, pesquisando para escrever, descobri que dia 5 de maio agora haverá um eclipse lunar, mas não será visível no Brasil.
Quando usamos o verbo eclipsar no dia-a-dia ele acaba tendo o sentido de ocultar, esconder, cobrir. Na prática é isso que acontece num eclipse solar: para um observador daqui da Terra, a Lua cobre o Sol. Mas se víssemos tudo de fora, de um quarto ponto, veríamos a Lua projetando uma sombra sobre a Terra. Algo tão notável e corriqueiro acontece porque três pontos, um emissor de luz, um objeto qualquer e um anteparo se alinham (a gente aprende na escola que a luz só se propaga em linha reta, mas nem sempre isso é verdade, veja daqui a dois parágrafos). Se precisamos de ao menos três pontos para definir um plano, precisamos que se alinhem e um dos que esteja na ponta brilhe para termos um eclipse. Ou uma sombra.
Não é difícil entender a mística que surge em torno de eclipses solares, um bolsão de noite no dia. Poucas coisas na vida são tão certas quanto o brilho do Sol, e abalar isso é abalar nosso senso de realidade (mas quando ele é ocultado por nuvens, não nos comovemos tanto. A familiaridade traz conforto).
Mas contrariando todo o papo iluminista e afins de claridade é igual a conhecimento, a escuridão revela. Durante eclipses solares é possível estudar a coroa solar e também comprovar um pressuposto da teoria da relatividade geral de Einstein. Para enxergar, precisamos de contraste, e se não observamos nada na escuridão absoluta, a claridade solar impede que percebamos sua coroa ou as estrelas ao redor. O eclipse-sombra traz contraste, profundidade e volume.
Se num eclipse solar ficamos sob a sombra da Lua, num eclipse lunar a situação se inverte: um observador no Sol veria a Terra cobrir a Lua. Nós, aqui da Terra vemos a Lua desaparecer na nossa sombra, numa noite dentro da noite. E o que aprendemos olhando a nossa própria sombra? Do ponto de vista concreto, podemos verificar que a Terra é redonda e assim descobrir que ainda há quem duvide disso. Percebemos também que nós existimos, que nossa presença tem consequências, nem que seja interromper um facho de luz.
Abri a news citando Le Guin, sou ursulover declarado e tenho adiado por tempo demais a releitura de O feiticeiro de Terramar, um livro que quero e preciso muito revisitar. Lendo a frase dela não tem como não pensar que sempre onde houver luz e um observador, ele projetará a própria sombra em algum lugar. O tempo todo. E de eclipse em eclipse, nós feiticeiros devemos pensar sempre em quais luzes acender, onde nos posicionar e no que nossas sombras podem revelar.
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Drops
Romantífica (vulgo meu livro mais recente) está no mundo! No livro trago contos que exploram a interface entre ficção científica, romance e relacionamentos (explico um pouco aqui). Quer comprar o seu exemplar? Basta fazer o pix e preencher este formulário que mando um pra você! Ou se preferir, pode comprar no site da editora.
Li esses dias o brilhante Saros 136 de Alexey Dodsworth (Autor) e Ioannis Fiore (Ilustrador). O fio condutor da narrativa são justo eclipses solares de alguma forma unem diferentes histórias no tempo e no espaço. As histórias são intrigantes e a relação entre elas é muito bem construída. Recomendo.
Repeti a brincadeira que fiz no twitter com o hit Retrato Imaginário do SNZ como um roteiro de ficção científica, mas dessa vez com Tempo Perdido da Legião Urbana. Como o twitter está com o pé na cova, devo levar essas zoeiras para o instagram.
Me cadastrei no programa de associados da Amazon, então sempre que comprarem alguma coisa com links compartilhados na página do Substack, receberei uma pequena comissão a ser convertida em petiscos para eu consumir enquanto escrevo.
Seguindo a tradição, mais uma playlist pomodórica com mais ou menos 25 minutos. Dessa vez, eclipses! Confesso que fui buscando por músicas que tinham a palavra no título mesmo, e tenho curtido isso para conhecer músicas fora do que eu normalmente ouço. Se prestarem atenção, uma das músicas (Eclipse Total) é uma versão de uma música gringa. Eu AMO isso e me segurei pra não fazer a playlist apenas com versões de Total Eclipse of the Heart. Talvez eu faça uma lista só de versões mais pra frente, vai que. Espero que curtam!
Obrigado pela leitura!
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Toda sombra é um eclipse
é muito lindo eclipse mesmo! muito profundo. e obrigada pelo “playlist apenas com versões de Total Eclipse of the Heart” 😂
seu texto desencavou uma memória aqui que nem lembrava que tinha. quando criança teve um eclipse grande (não sei se foi total, tô aqui cavocando na wikipedia os anos deles pra tentar descobrir haha) e meu pai tinha conseguido um negocinho especial pra olhar pro céu, tipo um vidrinho preto.
eclipses são muito legais! cê já leu "nightfall" do asimov?
e pra gente que gosta de uma versão herbert richards, teve até uma adaptação pra historinha do Astronauta da Turma da Mônica hehe: https://bucaneira.wordpress.com/2020/06/08/ainda-sobre-o-fim-do-mundo/
Um beijo