Um dia desses eu estava num grupo de leitores e comentamos sobre lápis de cor, sobre a obsessão que alguns de nós temos com comprar caixas com dezenas de cores. No papo surgiram vários testemunhos e teorias, e a mais óbvia de todas não tardou a ser elencada: estamos compensando as caixas com poucas cores de nossa infância, as caixas de 12 cores.
Vivi uma infância anos 80. O mundo era radicalmente diferente do que é hoje, e realmente o acesso a vários produtos não era fácil. As 12 cores eram mais ou menos o padrão, e isso para quem tinha condições de comprar lápis de cor. Caixas de 24 cores eram raras e grandes objetos de desejo, e as de 36 eu só ouvia falar. Conjuntos de 48 cores então, eu só imaginava que existissem para seguir a progressão (e durante muito tempo acreditei que todas as caixas de material artístico vinham em múltiplos de 12).
Com cores restritas e o tempo farto do mundo ainda sem internet, os lápis acabavam. Talvez a primeira cor a acabar fosse algum reflexo da personalidade numa astrologia cromática infantil? A minha era o amarelo, sempre foi minha cor favorita. Para outros, vermelho ou azul. O azul-claro, óbvio. Crescendo em Minas Gerais, o azul é quase sempre celeste, raramente marinho. Junto ao amarelo, vermelho e dois azuis havia dois verdes, o laranja, o marrom, o roxo, o preto, o rosa e o bege.
A caixa de 24 cores, além do delírio capitalista mirim, trazia a maior polêmica das aulas de artes: azul-piscina ou verde-água? Com este lápis, a lógica de gastar as cores se invertia. Ele era economizado. Não é à toa que o nome da cor é turquesa, uma pedra preciosa. De alguma forma a cobiça por mais lápis e cores dava origem à avareza, o que me leva ao título da newsletter, os adesivos.
Fossem de cadernos com temas de personagens, fossem apenas frases e lembretes, os valiosos adesivos ficavam ali, logo na primeira página do caderno esperando para serem usados. Mas o destino deles era ou a lixeira, ou um dia, quando fosse o dia perfeito, sofrerem uma tentativa de uso e terem perdido a cola. E aí a lixeira.
Eu já tive uns copos bonitos, presente de uma amiga. Os achava lindos, um jogo com quatro. Eu esperava um dia especial para usá-los, tinha medo que quebrassem (sou muito desastrado). Um dia quebrei um deles limpando o armário (sou desastrado, eu disse). Naquele dia decidi parar de economizar prato e copo bonito, e hoje nem lembro que fim tiveram os outros três do jogo. O copo quebra sozinho no armário, o adesivo perde a cola, o café esfria. O dia especial nunca vem, todo dia é especial.
A roupa também mancha no armário. Fica apertada ou folgada. Essa semana estreei duas camisas pensando nisso. Fui tomar café com duas amigas, uma terça e uma na sexta, e essas foram as ocasiões perfeitas. Guardar camisa nova pra quê? E pior que guardar camisa nova, ter a "camisa boa", aquela na qual me sinto bonito/bem e que deixo para usar só… nem sei quando.
Essa semana vi um reels no instagram falando do "cemitério dos hobbies", sobre como a pessoa compra materiais para algum hobbie e os usa pouco ou nem usa direito. É o dilema da caixa de lápis de cor de novo. Quando a desejo só penso em todas as coisas incríveis que farei, mas quando compro, tudo vira turquesas, adesivos, copos especiais e camisas boas no armário. O paradoxo é que desenhar (ou pintar ou o que quer que seja) se aprende fazendo. Mas não "desperdiço" meu material com aprendizado, quero fazer coisas incríveis. Só que se não fizer, não aprendo. E enquanto isso as aquarelas especiais (e quais não são?) que comprei praticamente no atacado durante a pandemia estão no fundo do armário, em suas embalagens. Esse mês ainda eu as organizo, tiro da embalagem e pinto alguma coisa, qualquer coisa. Se ficar legal, mostro aqui.
Bora gastar esses lápis de cor que a vida anda cinza!
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Drops
Meu conto Seis Estrelas, que saiu na revista Escambanáutica, está disponível na Amazon! No conto acompanhamos Míriam, uma motorista-fantasma de aplicativo que roda nas noites de Belo Horizonte.
Romantífica (vulgo meu livro mais recente) está no mundo! No livro trago contos que exploram a interface entre ficção científica, romance e relacionamentos (explico um pouco aqui). Quer comprar o seu exemplar? Basta me mandar um e-mail, mensagem, DM ou visitar meu site e seguir as instruções que mando um para você! Ou se preferir, pode comprar no site da editora.
Sexta agora, dia 18/08/23 às 16h estarei numa mesa com Gabi Maia e com mediação de Daniel dos Santos no teatro do SESC Palmas (na 502 Norte) na mesa “O fantástico na literatura e a literatura fantástica”. Esta mesa faz parte da programação da FLISTO — Festa Literária do SESC Tocantins. Fica aqui o convite para quem for da região ir lá prestigiar a mesa e o evento.
Falando em eventos, estarei na Odisseia de Literatura Fantástica e na FLIP esse ano, estou bem animado!
Seguindo a tradição, mais uma playlist pomodórica com mais ou menos 25 minutos. Dessa vez o tema é papelaria! E quebrando a tradição, uma outra playlist, mais longa, de uma caixa de lápis de cor sonora de 12 cores (com uma roubadinha trocando o bege por lilás e algumas músicas in English).
Outros planetas, outros metais, outros signos, outros animais
Falando em aquarela, não tem como não falar da Surina e seu sofá. Amei muito a edição de sua news na qual ela descreve o processo criativo de uma aquarela. Ela chega a escrever:
“Meu eu racional fazia comentários, isso vai dar um trabalho desgraçado e ainda por cima é um desperdício imenso de papel e tinta.”
Mas só lendo o texto completo para pegar o contexto. Clica aí e vem sentar comigo no Sofá da Surina!
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.
Me identifiquei com cada linha dessa edição. Tô na mesma luta, bora usar os lápis literais e metafóricos! Abraços
Eu tenho mudado um pouco isso comprando coisas que eu vou enrolar menos pra usar (dando preferência à uma caixa de 12 cores bem vagabunda e esperar praquela lata de aquareláveis) e querendo me mimar mais no dia a dia. Comprei um jogo de louça que toda vez que vou comer sozinha, ou peço comida, eu pego aquela louça colorida pra comer até arroz e frango frito. Ainda tiro foto pra mostrar que usei.
Também desisti das roupas muito elaboradas, porque agora também eu mal saio de casa, mas queria ter tido a minha fase de de Momoko de Kamikaze Girls (Já assistiu? É uma delicinha).
Os adesivos... eu só fui usar ano passado.