"Tem muito nome e a gente
Cantou somente um bocado
É muito nome de gente
Pr'um verso de pé quebrado"
Nomes de Gente, MPB-4
Lei dos nomes
Quantas histórias não giram em torno de nomes? Desde os icônicos Rumpelstilchen dos contos de fada ou Mr. Mitzplik das histórias de super-herois até o desafiador sistema de magia estudado por Ged em O Feiticeiro de Terramar. Quantas e quais são as leis da magia é algo que vai variar muito com a fonte consultada, mas uma lei que costuma aparecer com frequência é a Lei dos Nomes. Nomes trazem em si poder e por algum tipo de ressonância, definem ou influenciam o ser ou objeto nomeado.
Antes de escrever a primeira linha da newsletter, ao cadastrá-la, eu precisava de um nome. Para mim, uma escolha difícil porque eu queria um nome simples, fácil de lembrar, único, com algum significado interessante, que tivesse a ver comigo ou meus temas e… enfim, imaginem quantos critérios podem surgir de uma mente ansiosa!
Mercúrio em Peixes foi uma de minhas primeiras ideias, e só a adotei por saber que mudaria com facilidade depois e pelo duplo sentido bem apontado por @niamh_maclir num tuíte. Foi mais um ato de desespero ante a infinidade de opções, mas no fim me apeguei.
Tanto uma quanto outra interpretação casam bem com meus campos de interesse, mesmo eu tendo superado a fase de louco dos signos e não sendo minerador, apesar de mineiro. Mas a questão é: a partir do momento em que a newsletter tinha um nome, ficou fácil escrever, pensar em temas, na linguagem e tudo mais. Saiu até uma poesia(?) na edição de estreia. E assim lembro de um dos conselhos, esse dos bons, o que é raro, que ronda o mundo da escrita: dê nome aos seus projetos, mesmo que temporários.
Um amigo está gestando uma newsletter, tivemos uma longa conversa sobre isso, com direto a brainstorm meio torto via whatsapp para batizar o projeto e tudo. Logo saiu um nome bem interessante e cheio de camadas. Mesmo ainda não escrita ou lançada, a newsletter existe, o nome lhe deu substância.
Não apenas substância, mas identidade. Fez dela algo único.
Foi o tempo que o Pequeno Príncipe dedicou à rosa que a fez especial, mas a falta de um nome o obrigou a se referir a ela sempre como “minha rosa”. Foi a falta de um nome que o obrigou a defender a singularidade da rosa, da sua rosa, diante de um jardim com tantas rosas parecidas.
Ao projetar a newsletter uma coisa que eu queria evitar era que fosse algo de escritor para escritores. E como falar de nomes sem pensar em nosso ofício? Pensei melhor nessas semanas e percebi que todos damos nomes o tempo todo. Desde a escolha de nomes de filhos a qualquer texto que precise de um título, animais de estimação, barcos, apelidos. E assim vamos criando pouco a pouco nossas realidades.
Quando eu era criança eu era doido para experimentar tangerina. Eu via na TV suco de tangerina, pessoas falando de tangerinas. No mercado tinha um suco enlatado, grande, cuja lata ficava congelada, também de tangerina. Eu sabia que era uma fruta cítrica, mas eu a imaginava… tangerinesca. Depois de velho descobri que passei a infância desejando mexerica, que já era uma de minhas frutas favoritas e é até hoje.
Aí me pergunto: tangerinas, mexericas e bergamotas têm o mesmo gosto? E mandioca, macaxeira e aipim? Cada um desses nomes carrega uma história, uma origem e algumas várias culturas. O aipim frito nas férias em Piúma era totalmente diferente da mandioca frita de BH. Ele tinha gosto de dias longos, de maresia, de pouca roupa, queimaduras de sol e muita liberdade.
Mas e Mercúrio em Peixes?
O duplo sentido sim, foi proposital, mas o que tem a ver? Das coincidências da vida, o nome da newsletter apareceu em outro tweet esta semana:
E ouso discordar. Astrologicamente o planeta Mercúrio não está relacionado assim a desastres. Eles são mais da alçada de Marte e Urano.
Nossa Thiago, mas como assim astrologicamente??? Você acredita em astrologia??? Mas você não é cientista???
A resposta curta é: não. Mas isso não faz com que eu esqueça tudo que já estudei sobre ela e nem me impede de estudar mais. Eu também não sou religioso, e isso não me impede de conhecer algo de hagiografia. Eu dei uma resposta um pouco mais elaborada faz um tempinho no meu Curious Cat (se quiser pode até deixar perguntas lá, eu me divirto com aquilo!).
Eu tenho Mercúrio em Peixes no meu mapa astral, e de certa forma o nome surgiu daí: Mercúrio é o planeta relacionado à comunicação e escrita. Só que Peixes não é um posicionamento dos mais confortáveis: ele está em exílio. Na atual onda de louco dos signos, é comum ver as pessoas se identificando pela posição do Sol, Lua, Ascendente, e até mesmo Vênus (especialmente os que a têm em Leão ou Escorpião), mas pouco se fala dos outros planetas. E gostei de brincar com este meu planeta que está onde não devia, exilado. É um pouco como me sinto às vezes. Se "às vezes" significasse o tempo todo.
Aí entra a parte da Biologia. Como um colega no grupo da Mafagafo bem me lembrou, mercúrio em peixes não é um desastre ambiental: é um crime. É um crime cometido especialmente na extração do ouro. E porque se extrai ouro? E por que ser desta forma? Quem é prejudicado por (mais) esse crime ambiental? Alguém é responsabilizado por ele?
Não sou ativista, mas tenho interesse pelas questões ambientais desde criança. Vivi bem o clima do começo dos anos 90, ECO-92, a novidade do aquecimento global nas aulas de geografia… e vivi para ver o retorno disso na forma de Teoria de Gaia, antropoceno, capitaloceno e afins. Com a diferença que hoje eu estudei química e bioquímica o suficiente para entender melhor os fundamentos científicos destas teorias. Esses temas me são caros na ficção como forma de pensar nosso mundo e futuros possíveis, e assim eu gravitei naturalmente para o gênero/movimento solarpunk.
Isso é mercúrio em peixes, algo está onde não deveria. E aqui quero também descobrir como lidar com isso, no caso do planeta, ou lutar contra, no caso dos crimes. Ou apenas refletir, num espelho líquido. E virão muitos temas derivados deste nome, aguarde.
E você? Que nome daria a uma newsletter? O que significa seu nome? Gosta dele? Qual foi a última vez que deu nome a alguém ou alguma coisa? O que significa o nome da sua cidade?
Pense nisso enquanto deixa a playlist da semana rolar. Lembrando que ela também é colaborativa, então pode adicionar mais músicas à vontade que eu vou amar. O tema agora é… nomes!
A citação no começo da newsletter é da música que abre a playlist, e agora me despeço com outro trechinho dela.
A gente fica contente
Se ninguém ficar zangado
Se nesse quase repente
Seu nome não foi cantado
Nomes de gente, MPB-4
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
P.S.
O Incêndio na Escrivaninha, podcast que apresento junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes teve uma temporada de episódios com o tema de línguas e linguagens. Ela foi aberta com um episódio sobre língua nativa no qual recebemos Maiara Gouveia e comentamos um pouco sobre como criamos a realidade com nosso idioma. O encerramento da temporada contou com a participação de Bráulio Tavares que falou conosco sobre a língua como matéria-prima e ferramenta.
Publiquei uma ficção-relâmpago de forma independente na Amazon essa semana. O nome da história é “A Bruxa Dança”. Este texto foi selecionado para ser traduzido e publicado em inglês na edição #000 da Eita! Magazine, e agora está disponível na Amazon em sua versão original para o público lusófono.
Obrigado pela leitura!
Se gostou da newsletter, pode querer conferir o que tenho produzido como escritor em meu site, e como podcaster no Incêndio na Escrivaninha, junto das escritoras Ana Rüsche e Vanessa Guedes. E leiam as obras da Plutão Livros! Ou pode querer apenas me seguir nas redes twitter, instagram e facebook e ficar por dentro de minhas bobagens e novidades.