Bora falar (mais) de carnaval? Um relato fresquinho do festejo de 2024 e uns pensamentos sobre o meme do momento. Por que é isso, em tempos modernos, mais que o hit do carnaval, temos o meme do carnaval!
Para situar quem estava por fora: no carnaval de Salvador, durante a apresentação de Ivete Sangalo, a cantora Baby ex-Consuelo-hoje-do-Brasil-que-já-foi-de-Jesus cata o microfone e fala do apocalipse e do arrebatamento que se aproximam, que devemos buscar o Senhor, pipipi popopo. Ivete toma a palavra e afirma que não tem isso de apocalipse não, que ela vai macetar o apocalipse (uma referência ao hit Macetando, que ela canta em sequência).
Ivete até que se saiu bem depois da atitude no mínimo inconveniente de Baby, e acabou sintetizando numa frase a essência do carnaval.
Macetar tem o significado formal de martelar, golpear com o macete/martelo. Na música e cultura pop acaba significando… [surpresa!] algo sensual/sexual. Isso é explicado com profundidade aqui. Quer coisa mais "we are carnaval we are folia" que macetar o apocalipse? Se ele é o fim, no carnaval vivemos a suspensão do tempo, a vida eterna em quatro dias. Creio que a maior vingança que temos contra a morte é viver. Se a morte é um ponto de ruptura, a vida é um processo contínuo. Macetar o apocalipse é mostrar nossa pulsão de vida ante o fim inevitável.
Não, eu não acredito em apocalipse e muito menos nos arroubos proféticos de Baby, mas basta abrir os jornais para perceber que o mundo não tem sido um lugar hospitaleiro. Quando falamos de antropoceno, falamos também sobre o fim do mundo. Não o fim literal ou bíblico, mas o fim do mundo como o conhecemos. Um ponto de ruptura. Um fim que nos dá ainda mais urgência de vida. Tivemos nosso "apocalipse de bolso" no auge da pandemia e do desgoverno, e curtir a folia é também se agarrar a uma esperança: sabemos que nem ela é garantida. O arrebatamento que queremos é o êxtase da festa de Momo. É se entregar ao ritmo dos tambores no "rio de asfalto e gente" (sim, passei o carnaval em BH, o que daria uma edição da Mercúrio à parte, sobre a emoção de ter um carnaval vibrante e político numa cidade famosa por não ter a festa).
Num bloco na segunda, após ajudarmos uma desconhecida, uma amiga comentou que poderíamos ter mais disso o ano todo. E ela não estava se referindo à alegria, mas à solidariedade. No bloco de rua, desconhecidos se adotam e se ajudam, nas famosas amizades de fila do banheiro, elogios às fantasias, pedidos de foto, até ajudas para encontrar amigos ou o caminho para casa.
Na terça, saí sozinho, vestido de Super Mário, a minha fantasia mais confortável e a mais segura de se utilizar para brincar sozinho. Pulei atrás do trio, ao lado da bateria, rodei atrás de bebida, fiz amizade com algumas pessoas. Uma delas se surpreendeu de eu estar sozinho, e ao nos despedirmos, mandou um "tá tudo bem aí, Mário?".
Lembrei de Octavia Butler e a frase que mais me marcou na Parábola do Semeador: "cuidem uns dos outros". E este pra mim é o segredo para macetarmos qualquer apocalipse. Juntos.
No mais, sem mais,
Abraços ictiomercuriais,
Thiago Ambrósio Lage (@thamblage)
Gotas de mercúrio
Tenho um conto que se passa no carnaval de Olinda, ele se chama Carnaval Encarnado, e está disponível na revista A Taverna.
Quer comprar o seu exemplar de meu livro Romantífica? [explico um pouco sobre ele aqui] Basta acessar o site da editora.
Outros planetas, outros metais, outros signos, outros animais
Segue a recomendação de duas newsletters falando de carnaval.
Mercúrio retrógrado
Aqui falei um pouco mais sobre como amo Octavia Butler:
Obrigado pela leitura!
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Puta que pariu, um dia quero escrever como você ou a Fernanda. Me emocionei no final, a solidariedade sempre, sempre me emociona.
Que edição gostosa de ler!!! Eu também acredito que o período de pandemia, foi o fim de um mundo como a gente conhecia, e o início de outro que ainda estamos conhecendo após a pandemia... Que a esperança nunca falte em nós ❤️